olhem essa resenha
muito boa!
System Of A Down | Mesmerize [Sony / BMG]
Lançamento: 2005 [Nacional]
Cadê o meu metal? -- OU Os sobrinhos da Aracy BalabanIAN
Num modo etimológico, o rótulo "new metal" tinha tudo a ver. Bandas de heavy metal desassociadas daquele modelo vigente e estereotipado do estilo, seja de qual tipo fosse. Mas o que ninguém conta quando cria um rótulo, é que ele também se torna um estereotipo -- e bem rápido. Em se tratando de "new metal", as coisas saíram de controle mais rápido. Após o serviço bem feito de Korn e Deftones -- porque eles faziam heavy metal, afinal --, este novo estilo tornou-se um amálgama com todo tipo de aberração pré-púbere americana. Os Linkin Park pareciam [e ainda parecem] uma boy-band que preferiu ter raiva do mundo. Limp Bizkit é exatamente o que definiu aquela música do Anal Cunt: "Limp Bizkit Think They're Black, But They're Just Gay". E os Slipknot, apesar da frescuragem das máscaras, apesar dum primeiro álbum estereotipado e ruim, hoje em dia se sobressaem -- elogiados, inclusive, pelo Kerry King, o que obviamente os dá total credibilidade nas ruas.
No new metal, não só brotaram bandas medíocres, como as principais não tinham nada a ver com a outra. E o System of a Down que, efetivamente, fazia um som desassociado ao modelo pragmático e vigente do metal, acabou sendo incluído nessa baita roubada. Mas ali não se via hip-hop. Não se via scratches. Não se via letras sobre rebeldia sem causa. O que havia era thrash metal muitíssimo bem trampado, com doses cavalares de hardcore, tudo longe da caretice habitual do gênero, além duma apologia pró-sociedade intimidadora. Desde a estréia da banda, com disco homônimo de 98, se via uma luz em algo quase morto -- embora aquele álbum tenha uma série de falhas inerentes à dicotomia dos próprios caras. E a estranheza acompanha o outfit do SOAD: um bando de armênios de sotaque carregado, e sei lá, nos EUA, isso é como se no Internacional só jogasse a alemãozada de Sarandi. Algo que se não diz tudo a respeito do som, diz muito sobre a [AHÁ] credibilidade nas ruas.
Com uma manha aguçada, três anos depois a banda evoluiu o que tinha de bom no debut, varreu todo o descartável pra debaixo do tapete, e ainda aprimorou o conteúdo headbanger. Lançado em 2001, Toxicity segue sendo o segundo melhor disco de metal desta década [obviamente que o melhor é God Hate Us All dos nada-datados-apesar-de-tudo do Slayer]. Aliado a avalanche de riffs furiosos -- e todo resto embutido no thrash/hardcore --, um punhado de excelentes refrães, e, sobretudo, mais preocupação melódica do que técnica ["heavy metal melódico" é lixo puro justamente por priorizar a técnica, e não as melodias]. Só que depois de Toxicity, e o status de ser uma das cinco bandas mais importantes de hoje, alguma postura decisiva -- musical, ou não -- os caras teriam de tomar [Steal This Album, disco de lados B lançado no meio tempo, não conta nesta decisão]. Produzir um disco igual e encher o cu de dinheiro -- até que não seria ruim --, ou ambicionar a "evolução" musical. Em Mesmerize, não tenha a menor dúvida, eles apostaram as fichas em suas capacidades. O que eles não imaginavam, é que isso transformou o terceiro álbum num Jogo Dos 7 Erros.
1] O primeiro erro escancarado de Mesmerize são os vocais. E por uma razão bem simples. A grande maioria das faixas quem canta não é o vocalista, e sim, Daron Malakian, o guitarrista, e também compositor de quase todas músicas. Agora tu deve estar pensando: "mas isso não é como um pedreiro que resolve arrumar o teu computador?". Pois é isso, mas ainda muito pior do que isso. Não bastasse Malakian ter um timbre de voz horrendo [soa como um Fred Durst soviético], o vocalista, Serj Tankian, é muito fodidaço na lança. Ou seja, o pedreiro não sabia arrumar o computador, e culpou o teu técnico de informática.
2] System Of A Down é só uma banda política. E isso, necessariamente, nem seria o errado. "B.Y.O.B" é disparada a melhor faixa de Mesmerize, com a urgência de frases como "porque os presidentes não vão para as guerras/ porque eles só mandam os pobres?". Tudo revolto numa cavalice única, que mescla death metal tosco, hardcore sujo, e na ponte, até um pop-rock descarado, ironizando "todo mundo está indo a festa para ficar legalzão". "Música de protesto", que pra mim, pelo menos, nunca foi a utopia-hippie de Lennon, a filosofia zen-rastafári de Marley, ou as metáforas da MPB; mas a desgracêra dos Kennedys, a panfletagem do RATM, e em última instância, o semianalfabetismo do RAP brasileiro. Mas o fato, é que a própria banda encara esse lance "engajado" de modo constrangido. Tudo que vem carregado de certo protesto, logo a seguir vem "socorrido" por bobagens. Pra se ter idéia, já no álbum anterior, em "Prison Song", numa frase a banda afirmava que "o dinheiro das drogas frauda eleições e financia guerras pelo mundo", e na seguinte descrevia que "eu compro meu crack e chupo minha puta". Algo duma contradição cretina.
3] System Of a Down não é uma banda política. E pra dizer a verdade, eles não são mesmo. Em Mesmerize, apenas a supracitada "B.Y.O.B" vai nessa linha -- e "Radio/Video", se tu considerar político algo sobre o domínio da mídia, numa banda cheia de clipes na MTV. Mas desde o lançamento da bombástica "Boom" [essa era irresistível e vocês sabem disso], e de toda "atitude" forte que o mundo espera da banda, nesse disco os caras radicalizaram. "Old School Hollyood" e "Violent Pornography" são exemplos típicos da tentativa de fugir do estigma como o diabo da cruz. E é nesse ponto que o terceiro erro surge. Porque eles não querem ser uma "political band", também não precisavam partir prum lado "olha, pessoal, como nós somos engraçadinhos" -- não havia essa forçada em Toxicity, disco que abordava futurismo, espiritualidade, amor. "This Cocaine Makes Me Feel Like I’m On This Song" retrata a apelação desesperada. Mais contundente que esta, só se afirmassem dar a bunda.
4] Muito mais do que engraçadinhos. Eles podem ser retardados mentais, quando querem. "Cigaro", outra das poucas músicas afudê desse disco [seca, direta, guitarrinhas cortantes], em contrapartida apresenta uma letra absurda. "Meu pau é bem maior que o seu / meu pau é tão grande que chega a passar pela porta". Algo que não ouvia desde os meus onze anos [quando provavelmente eu mesmo tenha dito essa frase a algum coleguinha da sexta série]. E não bastasse o conteúdo idiota, é mentiroso: todos sabem que armênios tem pau pequeno.
5] A diluição do som da banda, ou, num termo que não gosto muito, "a falta de peso". Todos os timbres em Mesmerize parecem, em absoluto, pasteurizados e "radio-editados" [caso tu não saiba, singles distribuídos às rádios, em geral, têm masterização padronizada]. As guitarras soam vergonhosamente baixas [tchê, isso era pra ser metal], o baixo sumiu, e a bateria parece que foi produzida prum disco do Good Charlotte [se é que vocês entendem]. Sem contar que o álbum não apresenta riffs marcantes [tchê, isso era pra ser metal], os refrães foram submetidos a facilidades "linkinparkianas", e os vocais, repito, lamentáveis -- a harmonia entre Malakian/Tankian é tão artificial quanto Durst/Cavalera naquele Soulfly. Os próprios arranjos soam enfraquecidos ["Question" é a diluição de "Aerials"], cansados ["Revenga" a diluição de "Chop Suey"], e apesar da pretensão, bem óbvios ["Sad Statue"]. Tudo isso, na verdade, uma tremenda conseqüência causada pelo erro seguinte.
6] Auto-suficiência. O System of Down apostou no fato de que podia fazer qualquer merda. Aquelas suas melodias improváveis, ritmos imprevisíveis, e outras diferenciações, em Mesmerize foram elevadas a níveis ilimitáveis de pretensiosa "originalidade". A banda se transformou numa espécie de cientista maluco, disposta a fazer todo tipo de teste -- mesmo "B.Y.O.B", o hit mor do álbum, é bastante contundente neste aspecto. Mal comparando, onde o Green Day se mostrou descontraído, despojado, e super natural em American Idiot, o SOAD aparenta o inverso, ou seja, preocupado só em mostrar mais do que já mostrou. "Old School Hollywood" é o exemplo definitivo, onde apelam pra efeitos eletrônicos, elaborados a partir da melodia de "Beat It". Auto-suficiência que não é o bastante a eles.
7] Megalomania. Mesmerize é somente a primeira parte dum álbum duplo, que terá a segunda parte lançada somente em novembro, sob o nome de Hypnotize. Em nenhum momento a ambição da banda é o principal erro contido neste disco -- tentar comer a virgem segue sendo muito melhor que apenas se conformar com a chupetinha do traveco. Agora o pedantismo [achar -- ou fingir -- que sabe o que não sabe] acrescentado à ambição, é algo não só dispensável, como digno de esquecer tudo o que a banda já fez de bom.
Talvez existam acertos em Mesmerize. Mas o Jogo Dos 7 Acertos ainda não foi inventado.
Nota: 2,5.
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